segunda-feira, janeiro 30, 2006

A cidade não pára

O primeiro apartamento que morei logo que me casei foi um pequeno, de dois quartos, na divisa dos bairros Colégio Batista e Floresta.

Do meu quarto, eu via o clube Florestinha. Toda noite de sexta ouvia o bingo ser cantado. Era tão monótono que embalava meu sono: "Vinte e dois... dois-dois... dois patinhos na lagoa... vinte e dois... Próxima pedra: trinta e três... três-três... a idade de Cristo... trinta e três".

Da área de serviços, a vista era o Túnel da Lagoinha, cartão postal da cidade e barranco em cima do Túnel onde alguns meninos que deviam estudar ali no Orvile Carneiro iam fumar um baseado.

Mas minhas vistas preferidas eram as da sala. Logo abaixo da minha janela, um quintal com uma horta fantástica, com vegetais variados e completamente absurda de se encontrar em uma cidade como Belo Horizonte, além de um galinheiro (pois é, eu dormia com o bingo e acordava com o galo cantando). E mais adiante, uma pintura de Tiradentes na lateral de um prédio da Via Expressa. Tiradentes, não. Alferes Joaquim José da Silva Xavier. De farda. E em baixo da figura, a frase: "se todos trabalharmos juntos, poderemos fazer desse país uma grande nação".

Eu sempre gostei daquela pintura, apesar dos traços muito comuns. Primeiro, porque não era uma pixação; coloria a cidade, sem polui-la. Depois, porque não retratava Tiradentes pré-enforcamento, mas o Alferes Quincas com sua bela farda, uma figura rara nos livros de História. E sempre que eu passava ali por perto, vinham recordações boas da época em que eu abria minha janela e Tiradentes entrava na minha sala.

Pois bem. Dia desses, passando pela Via Expressa, vi que não há mais a pintura. Acabaram com o Tiradentes. Pintaram a parede de azul e no lugar da minha estimada pintura, uma propaganda de tintas. Horrorosa. Poluente. De mau gosto.

A cidade não pára, a cidade só cresce...

Espero que, pelo menos, a horta e o galinheiro continuem lá.

5 comentários:

Unknown disse...

Gostei muito desse texto, enforcam e pintam o Tiradentes assim...sem mais nem menos...

Anônimo disse...

Essa região que você morou com o Otto é muito boa mesmo, pertim do centro! Foda é o bingo e o galinheiro...

Agora esse retrato do nosso alferes (ah, História!!!) eu via todo dia voltando da PUC. Apagaram? FDP's... não respeitam nem os mortos!

Anônimo disse...

Galinheiro, cara! Galo cantando é surreal, nem sei mais como é o som!

Uma vez que fui em BH, um bróder me levou num restaurante de comida mineira inacreditável, e tinha um ar meio de fazenda.... mas nada a ver com o que vc queria dizer, né?

Juliana A.B.F. disse...

Tiraram o Alferes Quincas, Raphael! Acredita? Não acreditei quando vi (ou não o vi).

Eu gostava do galinheiro, Randall. Muito. E conheço esse restaurante. Eu gosto dessas coisas de Minas.

Anônimo disse...

Tive essa sensação estranha quando vi que tiraram o coreto do pátio do Grão-Pará e o trenzinho da frente do Hotel em Tucuruí.

Entre outras coisas que roubaram da minha memória afetiva.