sexta-feira, março 28, 2008

Festa no Céu

Pai,

Você já está aí há mais de 10 dias, deu pra rever os parentes todos, matar a saudade de quem já tinha ido antes de você, sentir o clima, conhecer gente nova, se instalar e tal... então, agora vou contar a surpresa que prepararam pra você. Você não imaginou que ia chegar aí no Céu e não ia rolar nenhuma festinha, né?

Pois bem.

Tio Ildeu vai fazer a comida. Jantar bacana, farto, gostoso como aqueles que a gente comia no Papa Chibé. Pedi até pra ele providenciar um Pato no Tucupi.

A segunda parte das comemorações é o show. Esse foi mais difícil de arrumar, porque tive que pedir ajuda de um bocado de santo. Não conheço pessoalmente nenhum músico famoso, mas o São Jorge mandou meu recado pro Vinícius de Morais. Ele é bem relacionado, conhece uma galera ótima aí e toparam fazer uma batucada em sua homenagem. Afinal, quando alguém tão bacana chega ao Céu, tem festa, né?

Pedi muito cuidado na escolha das músicas. Depois de muito discutir, decidiram: o Ray Charles vai cantar Georgia on my mind, a sua favorita. Pedi para ele cantar Ruby, porque eu gosto muito também. O Freddy Mercury vai cantar I was born to love you, Love of my life e mais qualquer outra do Queen que você quiser. Ele tinha aquela fama de estrela aqui, mas disseram que o cara é bacana demais. É só pedir que ele canta tudo o que você quiser. O Louis Armstrong vai cantar What a wonderful world. John Lennon e George Harrison me deram muito trabalho. Eles não queriam cantar sem Paul e Ringo. Mas o Vinícius, com todo seu talento diplomático conseguiu uma canjinha deles: If I feel e Yesterday. Depois da parte internacional do show, vem o melhor: os brasucas. O Cazuza vai cantar Exagerado, a Clementina vai de Incompatibidade de Gênios (lembra aquela "Doutor, jogava o Flamengo e eu queria escutar/Chegou/Mudou de estação começou a dançar"). Depois vai rolar uma roda de samba com Vinícius, Cartola, Noel e Adoniran Barbosa. A Clara Nunes vai cantar Iracema, naquela versão que você gostou. A Elis também vai dar uma passadinha pra cantar "O bêbado e o equilibrista". E pra finalizar, um dueto do Luiz Gonzaga e do Gonzaguinha (pedi pra ele cantar Sangrando sem falta).

Mas não se canse muito no show, porque o tio Ismael marcou uma peladinha pro dia seguinte e o Garrincha já confirmou presença.

Divirta-se, meu velho! Seja feliz! Eu te amo todo dia!

segunda-feira, março 17, 2008

Meu amor foi embora!

Este talvez seja o texto mais difícil que eu já escrevi na vida.

O título é a frase que minha mãe disse à enfermeira que mediu sua pressão ontem depois que meu pai morreu. Foi a frase mais triste, mais linda, mais dolorida e mais verdadeira do mundo.

Quem conheceu meu pai um pouquinho sabe de seu amor pela mulher, pela família que eles criaram, pelo flamengo e pelo cooperativismo. Isso dava pra saber sobre ele em cinco minutos de conversa.

Quem conviveu um pouquinho com ele sabe de sua honestidade, de sua garra e de sua vontade de viver. É por isso que é tão inacreditável que ele não esteja mais aqui conosco.

Quem conhece meu pai como eu conheço sabe, além de tudo isso que eu contei aí atrás, que grande avô que meus filhos e meu sobrinho tiveram, que ele sabia "fazer o tatuzinho mamar", "dava cuca" e que a única bronca que dava nos netos era dizer "patati patatá". Os melhores conselhos saiam dos seus lábios, o melhor carinho vinha das suas mãos. Ele não tinha vergonha de dizer que amava, não tinha vergonha de pedir um cafuné. Era bravo e doce. Era amigo a ponto de, apesar de flamenguista, torcer para o corinthians pra não ver meu filho triste. Ele era orgulhoso da mulher que ele conquistou e dos filhos que ele criou. E nós somos orgulhosos dele.

Pai, o mundo sem você é tão triste que dá vontade de pedir para parar tudo.

Funeral Blues
W. H. Auden

Pare os relógios, cale o telefone
Evite o latido do cão com um osso
Emudeça o piano e que o tambor surdo anuncie a vinda do caixão, seguido pelo cortejo.
Que os aviões voem em círculos, gemendo e que escrevam no céu o anúncio: ele morreu.
Ponham laços pretos nos pescoços brancos das pombas de rua e que guardas de trânsito usem finas luvas de breu.
Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste
Meus dias úteis, meus finais-de-semana, meu meio-dia, meia-noite, minha fala e meu canto.
Eu pensava que o amor era eterno; estava errado
As estrelas não são mais necessárias; apague-as uma por uma
Guarde a lua, desmonte o sol
Despeje o mar e livre-se da floresta pois nada mais poderá ser bom como antes era.